Judeu sobrevivente conta como foi salvo por um “anjo” durante o Holocausto
- 27/01/2025
Um homem que sobreviveu ao Holocausto testemunhou como Deus salvou sua vida durante o o genocídio em massa do governo nazista, que matou cerca de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, no século XX.
Manfred Goldberg tinha 13 anos quando foi levado totalmente nu em direção a um campo de trabalho nazista na Letônia. Lá, um homem lhe contou um segredo que salvou a vida:
"Se ele perguntar sua idade, diga que você tem 17 anos''.
Goldberg seguiu o conselho e um guarda o direcionou para o grupo selecionado para trabalho escravo. Tempo depois, ele descobriu que os prisioneiros mais jovens eram enviados para morrer porque os guardas acreditavam que qualquer pessoa com menos de 17 anos era novo demais para trabalhar lucrativamente para a máquina de guerra nazista.
“Às vezes penso naquele homem como um anjo que foi enviado para me salvar. Nunca mais o vi'', disse Goldberg em uma entrevista no Jewish Care Holocaust Survivors' Centre em Londres.
Esta segunda-feira (27), marca o 80º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz e um lembrete de que o número de sobreviventes está diminuindo. Com isso, há cada vez menos pessoas para testemunhar o genocídio nazista em um momento em que a negação do Holocausto e o antissemitismo estão em ascensão.
“Sou apenas uma gota no oceano. Mas eu decidi que, enquanto Deus me der força, física e mental, para continuar fazendo isso, eu me comprometi a continuar fazendo isso. Então é por isso que estou aqui aos 94 anos, falando com vocês”, declarou ele.
A história de Goldberg
Manfred nasceu em Kassel, uma cidade de cerca de 220.000 habitantes na Alemanha. Com apenas 3 anos de idade quando os nazistas chegaram ao poder em 1933, ele não percebeu como o país estava mudando até ser matriculado em uma escola primária judaica.
Naquela época, a Juventude Hitlerista — uma organização aparentemente semelhante aos escoteiros, mas usada para doutrinar crianças na ideologia nazista — começou a espalhar o ódio aos judeus.
“Às vezes, eles nos observam para nos emboscar, atacar ou nos amaldiçoar. As crianças foram avisadas: ‘Fujam ou enfrentarão mais problemas’”, disse Goldberg.
Nesse período, os nazistas excluíam sistematicamente os judeus da vida pública, então, eles primeiro tentaram deportar o pai de Goldberg, depois ameaçaram mandá-lo para um campo de concentração. Rosa, a mãe, implorou para conseguir um visto para emigrar.
Ela soube que diplomatas na Embaixada Britânica em Berlim poderiam oferecer ajuda, então decidiu viajar até lá para encontrá-los. Foi nesse local que Rosa conheceu Frank Foley, um agente secreto britânico disfarçado de diplomata, cuja missão de espionagem era mantida em segredo.
Foley foi responsável por autorizar vistos que permitiram a fuga de mais de 10.000 judeus da Alemanha: “Acredito que ele era um homem de bom coração'', relembrou Goldberg.
Foley deu ao pai de Goldberg um visto de emergência e disse à mãe que o resto da família poderia segui-lo nas próximas semanas. No entanto, 10 dias depois, em 1º de setembro de 1939, os nazistas invadiram a Polônia e a família foi separada.
Vestindo a estrela
À medida que a guerra avançava, a Alemanha intensificou as leis antijudaicas. Os judeus eram obrigados a usar uma estrela amarela de seis pontas ao ar livre, e só podiam comprar comida em lojas autorizadas. Quando as lojas ficavam sem comida, eles não tinham o que fazer.
Goldberg contou que, um dia, sua mãe lhe disse para colocar sua mochila, que cobria a estrela em sua jaqueta, e ir com ela a uma padaria não-judia. Parada do outro lado da rua, ela deu a ele umas moedas e disse para ele correr para dentro da loja, pedir um pão, colocar o dinheiro no balcão e pegar o pão antes que alguém pudesse impedi-lo.
"Eu tinha 7 ou 8 anos. Eu apenas fiz o que ela me pediu. Hoje, percebo o quão séria a situação deve ter sido. Ela provavelmente estava passando fome, mas não suportaria ver seus filhos passarem fome", disse ele.
Então, em 1942, o regime nazista decretou a “A Solução Final” — execução de judeus europeus.
Quando a “Tropa de Proteção” — organização paramilitar ligada ao Partido Nazista — bateu na porta de Goldberg, eles deram à sua mãe apenas 10 minutos para fazer uma mala.
Depois de três dias e três noites em um trem sem comida ou água, Goldberg, seu irmão mais novo, Herman e sua mãe foram levados à Riga, a capital da Letônia, onde começaram um pesadelo que o levaria a cinco campos nos próximos três anos.
‘O luto aconteceu internamente’
Nesse momento, Goldberg perdeu seu nome. Ele se tornou o nº 56478. Em seguida, eles chegaram a um subcampo conhecido como Precu, onde ele e sua mãe foram colocados para trabalhar.
Herman era muito novo e ficou para trás no campo quando Goldberg e Rosa saíram para trabalhar. Então, as autoridades levaram as crianças e a família nunca mais viu o menino.
“Na manhã seguinte, tanto minha mãe quanto eu tivemos que fazer fila e ir trabalhar como se nada de anormal tivesse acontecido. O luto aconteceu internamente, mas se tivéssemos nos recusado a ir trabalhar, teríamos perdido nossas vidas”, contou ele.
À medida que os nazistas começaram a perder território na Frente Oriental, eles transferiram seus prisioneiros para o oeste com o objetivo de mantê-los longe dos russos e continuar a matança.
Goldberg foi transferido para Stutthof, um campo perto da cidade polonesa de Gdansk, cujo portão da frente ficou conhecido como o “Portão da Morte” porque poucos presos sobreviveram.
Segundo ele, mais de 60.000 pessoas morreram no campo devido a doenças infecciosas, injeções letais e, a partir de junho de 1944, depois de serem sufocadas com Zyklon B, o mesmo composto usado nas câmaras de gás de Auschwitz.
Liberdade
Com a guerra na Europa chegando ao fim, os nazistas continuaram a expulsar os presos para o oeste, em direção ao centro da Alemanha.
Goldberg e sua mãe foram levados com centenas de prisioneiros em barcaças e mantidos no mar por dias sem comida ou água. Quando os guardas sumiram, os prisioneiros mais fortes rasgaram pedaços de madeira e as usaram como remos para levar os barcos de volta à costa.
Porém, assim que os presos desembarcaram, os guardas retornaram. Eles atiraram naqueles que estavam fracos demais para escapar, e cercavam aqueles que tinham chegado à costa, incluindo Goldberg e sua mãe. Então, chegou uma coluna de tanques britânicos.
"De repente, nossos guardas armados, que momentos antes ainda estavam matando pessoas por não manterem a velocidade, se viraram e correram na direção oposta, para longe de nós", lembrou Goldberg.
E continuou: "As pessoas estavam exultantes. Não estamos sob guarda. Estamos livres! Você não pode imaginar a alegria que sentimos''.
Depois de se encontrar com seu pai na Inglaterra, Goldberg seguiu carreira como engenheiro, se casou e teve quatro filhos. Por mais de 50 anos, ele se recusou a contar sua história.
Mas, há cerca de 20 anos, sua igreja pediu para que ele participasse de um culto de recordação. Sua esposa, Shary, o encorajou: “Quem contará sua história quando você se for?”.
Então, Goldberg reconheceu: “O silêncio nunca ajuda os oprimidos. Ele sempre ajuda os opressores”.